4 maio 2018 - 14h42

O CEO da State Street e a criação de empregos para jovens marginalizados

Quando a empresa e o desenvolvimento social andam de braços dados todos ganham, do acionista à sociedade

Harvard Business Review

Em 2014, recebi um telefonema do escritório do governador de Massachusetts. Eles me pediam que participasse de uma parceria público-privada (PPP). O objetivo era melhorar a qualidade das faculdades públicas locais. Desenvolvimento de mão de obra é um problema que me preocupa, e todo CEO recebe ligações como essa de tempos em tempos. Tento ajudar sempre que posso, por isso disse sim.

Fui a algumas reuniões e logo fiquei frustrado. Não era minha primeira experiência em PPPs, e embora algumas tivessem sido bem-sucedidas, muitas não deram certo. Ao participar de uma reunião, comecei a imaginar com que meios a State Street solucionaria alguns dos problemas relacionados ao desenvolvimento de mão de obra.

Nossa empresa tem uma grande instituição de caridade, então já gastávamos milhões de dólares anualmente nas áreas de educação e na formação de profissionais. A State Street é uma das maiores empregadoras de Boston. Todo ano contratamos milhares de funcionários recém-formados. Isso é importante. O grande prêmio da pessoa que conclui sua formação acadêmica é uma oferta de emprego e uma carreira, e podemos oferecer isso de uma maneira que nenhuma organização sem fins lucrativos é capaz. Além do mais, nossa empresa está repleta de membros da geração Y que querem ser voluntários, e o programa de mentoria é parte essencial para ajudar jovens a passar por todas as etapas, do ensino médio à universidade e ao mercado de trabalho. Quando precisamos encontrar alguém na State Street para orientar um estudante, não precisamos perguntar duas vezes.

Comecei a falar sobre essa ideia dentro da empresa, e os funcionários ficaram entusiasmados. Queríamos ir além de soluções específicas e colocar em prática um programa compreensível, sistemático e ampliável — direcionado para a produção de resultados mensuráveis e sustentáveis.

Foi assim que desenvolvemos e em 2015 lançamos o Boston WINs (Workforce Investment Network). Nosso compromisso é investir US$ 20 milhões e contratar mil graduados de escolas públicas urbanas nos próximos quatro anos. Os resultados têm sido promissores: contratamos mais de 200 recém-formados, que vêm se adaptando muito bem à nossa cultura.

Educação urbana é crucial
Penso muito sobre oportunidade econômica porque venho de uma família de classe média. Cresci nos subúrbios de Boston com meus quatro irmãos. Quando estava na faculdade, trabalhava meio período e banquei minha educação com empréstimos para estudantes e com meu próprio salário. Aos 30 e poucos anos, ainda pagava meus empréstimos estudantis.

Meu pai trabalhou por 32 anos na State Street, e nessa época a empresa era muito diferente. Na década de 1970, a State Street começou a deixar de ser um banco tradicional para se tornar uma empresa de serviços financeiros impulsionada pela tecnologia.

Essa mudança me atraiu. Depois da universidade, fui trabalhar na AT&T, onde recebi amplos treinamentos no que hoje chamamos de Tecnologia da Informação. Em uma dessas aulas, conheci minha mulher. Depois do acordo que dividiu o antigo sistema Bell, acabei indo trabalhar na American Bell, que vendia equipamentos de comunicação para grandes organizações e competia com empresas como a IBM. Mantive a propensão para a tecnologia e passei a me concentrar em maneiras de usar a tecnologia para possibilitar serviços e capacitar pessoas.

Meu pai se aposentou da State Street em dezembro de 1985 e entrei na empresa um mês depois. Passei dez anos dirigindo a joint venture da State Street, inicialmente em Kansas City. Voltei para Boston em 2000 no intuito de liderar nossos serviços de investimentos globais e depois fui promovido a vice-diretor e em seguida a presidente. Em 2010 tornei-me CEO da empresa. Durante esse percurso, me envolvi com atividades filantrópicas locais, especialmente como um ativo patrocinador e membro da diretoria do Boys & Girls Clubs of Boston. Tive a oportunidade de visitar alguns clubes e ver seu bom trabalho. Eles ofereciam atividades para depois do horário de aula, ensinavam capacitação, organizavam equipes esportivas e ajudavam crianças com as tarefas escolares. Notei o quanto organizações competentes podem fazer. Participei também de algumas iniciativas em escolas urbanas nas quais a State Street se envolveu.

Por meio desse trabalho, me convenci de que se pudesse ajudar a resolver apenas um problema no mundo, seria a educação urbana. Os problemas sociais costumam estar interligados, e a instrução perpassa muitos deles. Melhorar isso gera crescimento econômico, reduz a criminalidade e diminui o desemprego, o conflito social e os problemas habitacionais. Visitei muitas escolas ao longo dos anos, algumas excelentes, mas as soluções para os problemas de oferta de boa educação urbana tendem a ser inconsistentes e difíceis de replicar.

Trabalhar como em um corrida de revezamento
Quanto mais eu pensava sobre o problema, mais percebia que para ser eficiente nossa abordagem precisava ir além do que acontece nas salas de aulas urbanas. Fazer com que os estudantes passem pela escola, cheguem até a universidade e então consigam um bom trabalho requer o gerenciamento de uma série de passagens e transições, como atletas em uma corrida de revezamento com bastão. Por exemplo, algumas organizações sem fins lucrativos fazem um grande trabalho de coaching de estudantes do ensino médio para melhorar suas capacidades de estudo ou para que consigam bons resultados em exames de admissão na universidade. Porém é raro que essas organizações auxiliem os alunos na escolha da universidade e no processo de inscrição, que é o passo seguinte. Outras organizações fazem isso, mas muitas crianças não conseguem se organizar para as duas etapas. Então, quando os alunos chegam à universidade, eles precisam de mentoria e coaching para ajudá-los a continuar matriculados e a ser bem-sucedidos, o que demanda um tipo diferente de apoio. A ajuda é também necessária para que possam se preparar para um emprego e obtê-lo. É similar ao que ocorre nos hospitais: o paciente pode ser tratado por vários especialistas, que precisam se comunicar bem entre si para que consigam sucesso pleno.

Nós gostaríamos de criar um programa que combinasse todas as formas de expertise necessárias para apoiar os jovens ao longo do ensino médio e da universidade até o mercado de trabalho. O ponto principal seria um sistema coordenado para acompanhar os estudantes entre essas especialidades, em vez de acreditar que os alunos vão encontrar o que precisam, quando precisam, em uma colcha de retalhos de empresas e soluções.

Em síntese, queríamos juntar algumas dessas organizações não lucrativas com um histórico comprovado de sucesso na aquisição e manutenção de estudantes trilhando o caminho desde a escola até o mercado de trabalho, financiá-las para que pudessem crescer, coordenar seus esforços para que deixassem de trabalhar isoladamente e então nos comprometer a contratar um grande número desses estudantes depois da graduação.

As cinco parceiras
Com essa visão, a questão passou a ser: como conseguiríamos isso? Graças à instituição de caridade da State Street, já mantínhamos um relacionamento com organizações que abordavam partes específicas desse problema mais amplo. Mas decidimos ampliar um pouco o espectro. Pedimos que propostas nos fossem enviadas e então realizamos uma competição, no estilo do programa de TV Shark Tank: Negociando com Tubarões, entre empresas sem fins lucrativos, com o objetivo de selecionar cinco grupos que receberiam subsídios pelos quatro anos seguintes. As organizações sem fins lucrativos necessitam de contratos de subsídios multianuais, então não foi difícil conseguir que algumas delas participassem da competição.

As empresas só perceberam como seria difícil depois que passaram a se envolver em nosso processo de triagem. Para fazer parte da Boston WINs, precisariam começar a colaborar com outras organizações, o que não é necessariamente seu ponto forte. Muitas empresas sem fins lucrativos eficientes e dinâmicas têm líderes carismáticos; pedíamos a eles que deixassem de lado o ego e se concentrassem em formas de colaborar, o que nem sempre acontecia naturalmente. Meu feedback inicial para todos foi ressaltar que os grupos precisariam pensar de maneira mais ampla. Acredito que isso é parte do papel do líder — forçar as pessoas a elevar seus níveis de ambição.

Acabamos escolhendo quatro organizações que havíamos financiado anteriormente e uma com a qual passamos a trabalhar pela primeira vez. A Year Up, sediada em Boston, oferece cursos intensivos de capacitação para jovens de baixa renda. A uAspire ajuda estudantes a obter financiamentos universitários. Já a The Boston Private Industry Council (PIC) auxilia alunos a conseguir experiência profissional e a trilhar o caminho da escola até o mercado de trabalho. A College Advising Corps (CAC) assiste estudantes em busca de uma universidade e no processo de inscrição. E a Botton Line ajuda tanto alunos de baixa renda quanto os que são arrimo de família a entrar na faculdade e concluir o curso.

Ainda que as cinco organizações permaneçam separadas, nossa expectativa é que trabalhem juntas — como se fossem fornecedores de empresa que trabalham de forma coordenada para que as partes se encaixem perfeitamente, a entrega seja sincronizada e a qualidade continue alta. A isso chamamos ação coordenada: nossa intenção é prestar esses serviços de forma complementar, sólida e devidamente contínua. Acompanhamos de perto o que cada aluno está recebendo; todas as cinco parceiras colocam seus dados em um sistema compartilhado que é atualizado a cada quinze dias. Contamos atualmente com a participação de 20 escolas de ensino médio, em cada uma realizamos uma reunião mensal na qual representantes das cinco empresas discutem o progresso individual dos alunos. Todos têm uma lista de 12 marcos a atingir em datas predeterminadas — entregar artigos de faculdade, preencher formulários para auxílio financeiro, participar do programa Job Shadow (no qual o estudante passa um período junto a um profissional para aprender como o trabalho é feito), fazer rascunho de currículo, participar de entrevista simulada. A ação coordenada nos permite saber se os alunos estão no caminho certo, identificar aqueles que porventura tenham alguma falha no apoio recebido e nos certificar de que transferências efetivas estão ocorrendo entre as diferentes organizações, particularmente quando os estudantes fazem a importante transição do ensino médio para a faculdade.

O amplo alcance da Boston WINs
Depois de selecionarmos as cinco organizações, pedimos que participassem de uma atividade de um dia — eu mesmo participei. Queríamos ter certeza de que todos estavam comprometidos com nossa ideia.

Eles estavam todos entusiasmados — afinal, haviam acabado de vencer uma competição. Essas organizações estavam acostumadas a ter controle, e esse era o desafio. Era preciso explicar que seria diferente agora, cada empresa teria de transferir clientes para outras, e o objetivo era maximizar o impacto das cinco.

Não consigo enfatizar o suficiente quanto isso foi difícil. Cada uma dessas organizações sem fins lucrativos vinha trabalhando a seu modo e tinha aperfeiçoado uma forma de lidar com determinada parte do problema. Estávamos tentando fazer com que elas pensassem e trabalhassem holística e horizontalmente, como jamais haviam trabalhado.

Lançamos o programa em junho de 2015 em um evento prestigiado pelo prefeito de Boston, Marty Welsh, e pelo governador de Massachusetts Charlie Baker. Foi um apogeu maravilhoso da primeira fase do programa, mas era só o começo.

A beleza da Boston WINs é sua capacidade de atrair qualquer jovem da cidade envolvido com uma das cinco organizações; todas já tinham seu próprio processo de recrutamento antes de fazer parte da State Street (a YearUp e a Bottom Line têm um processo formal de inscrição, e os serviços oferecidos pela uAspire, PIC e CAC estão disponíveis a qualquer aluno de escola pública de Boston). Como o sistema existente já estava funcionando bem, decidimos não interferir; em vez disso, qualquer estudante que trabalhe com uma das cinco organizações é considerado automaticamente um jovem da Boston WINs. O novo programa conecta as cinco empresas, o que permite que o estudante que recebe auxílio da College Advising Corps para se inscrever em uma universidade seja instruído sobre financiamento educacional pela uAspire. Apenas em seu primeiro ano, a Boston WINs auxiliou mais de 19.430 estudantes, e a State Street contratou 216 formados pela Boston WINs.

Abrimos uma unidade na University of Massachusetts que permite aos estudantes trabalhar meio período, adquirindo experiência profissional e nos dando a chance de ver como trabalham. Temos, a todo momento, mais de 50 estagiários da Bunker Hill Community College. Damos a eles um teste e, depois de formados, contratamos alguns permanentemente. Uma vez conosco, eles podem desenvolver suas capacidades e migrar pela organização.

Firmamos acordo para oferecer um financiamento de quatro anos, mas avaliamos cada uma das organizações anualmente para ver como estão contribuindo com o objetivo geral. E os jovens trabalham tão duro quanto os funcionários. Eles reconhecem que a oportunidade que estão recebendo é especial.

Não é apenas algo para se sentir bem
Como CEO, sou cuidadoso acerca do tempo que dedico à filantropia. Respondo ao nosso conselho, composto de 11 pessoas e sou responsável pelos acionistas, empregados e clientes e pela comunidade. A maior parte do meu tempo, como é de esperar, é dedicada aos primeiros três grupos. Mas a ligação entre o envolvimento da nossa comunidade e minha própria consciência é bastante estreita. Isso não é apenas algo para se sentir bem. Estamos competindo por talento nesta cidade, e todos os nossos empregados — especialmente os mais jovens — têm enorme apreço pelo envolvimento da nossa comunidade. Todo mês me reúno com grupos de funcionários para um café da manhã e faço as mesmas duas perguntas: o que mantém você na State Street? E o que faria você sair da State Street? Eles sempre mencionam as condições flexíveis de trabalho, as oportunidades de carreira e o envolvimento da comunidade como aquilo que mais valorizam. A ligação entre o envolvimento da comunidade e nossos empregados se traduz diretamente no modo positivo com que trabalhamos para nossos acionistas e clientes.

Já cumprimos quase metade de nossos quatro anos de compromisso para com a Boston WINs e acredito que estabelecemos um bom ritmo. Já estamos pensando em como ampliar o programa para além de Boston, isto é, outras partes do país e do mundo. A State Street tem grandes operações em Kansas City, Cingapura, Polônia, Irlanda e outros locais, e não há motivo para não fazer com que o projeto funcione também nesses lugares.

O programa se encaixa muito bem na estratégia da nossa empresa. Como CEO, minha prioridade é transformar a State Street em um negócio digital-tecnológico, isto é, priorizar dados e análise. Essa mudança de estratégia teve impacto em nossas contratações. Precisamos de funcionários que se sintam à vontade com dados e saibam analisá-los. Necessitamos de mais profissionais de TI.

Acredito que a Boston WINs será responsável por uma parte importante do que a State Street conseguirá atingir durante esta década. Se resolvermos o problema do desenvolvimento de mão de obra urbana, criaremos um grupo variado de profissionais com boa formação acadêmica e altamente motivados para nossa empresa, e ao mesmo tempo ofereceremos uma possibilidade de solução para um problema que afeta toda a comunidade. É um ótimo exemplo de como um programa benéfico para a cidade pode também, simultaneamente, beneficiar nossos acionistas.

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