27 mar 2017 - 14h34

Novos marcos na governança corporativa

Aplicável a toda e qualquer tipo de sociedade que atue em território brasileiro, a Lei Anticorrupção estende sua aplicação a dirigentes e administradores, autores ou coautores e partícipes de atos ilícitos

 

 Aplicável a toda e qualquer tipo de sociedade que atue em território brasileiro, a Lei Anticorrupção estende sua aplicação a dirigentes e administradores, autores ou coautores e partícipes de atos ilícitos. Até aí, nada mais justo e correto. Afinal, todo e qualquer ato lesivo à administração pública e ao patrimônio nacional deve ser punido com o rigor da lei.

O que a legislação traz de novo é a inclusão de “terceiros”, que representam as empresas nas suas relações com os diversos órgãos da administração nacional. Em seu Artigo 5º, Parágrafo I, a Lei deixa claro: “prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada” é motivo de responsabilização nas esferas civil e administrativa, passível de punição rigorosa.

Trata-se de um grande progresso, pois sabemos que muitos dos crimes cometidos contra o Estado e suas entidades tiveram como autores personagens muitas vezes ocultos. Assim, a partir de agora, aqueles que comprovadamente utilizarem a intermediação de pessoas físicas ou jurídicas para ocultar seus reais interesses em ações fraudulentas, passam o compor o quadro de réus.

Nesse contexto, também é importante ressaltar que “financiar, custear, patrocinar ou subvencionar a prática dos atos ilícitos” por qualquer desses personagens, direta ou indiretamente, será objeto de responsabilização, o que submete empresas, seus dirigentes e administradores ao enquadramento da Lei.

A Lei Anticorrupção vai mais longe, qualificando melhor vários outros atos lesivos no campo das licitações e contratos com órgãos públicos. É nesse campo que se concentram vários dos grandes escândalos que temos assistido ao longo da nossa história, agravados exponencialmente nos últimos anos e expostos em operações importantes da Justiça brasileira, como a Lava Jato. Em razão de tudo que tem acontecido no âmbito dessa operação, e baseada nas melhores práticas internacionais, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) realizou pesquisa em 18 países, mais maduros do que o Brasil no que se refere à Governança de suas empresas listadas na Bolsa. O estudo trouxe importantes contribuições, orientações e obrigatoriedades para o novo Código Brasileiro de Governança Corporativa para Companhias Abertas, cuja primeira minuta foi apresentada em setembro próximo passado.

 Fundamentadas no princípio do “pratique e explique”, as Sociedades Anônimas de capital aberto até poderão adotar medidas não alinhadas às melhores práticas, mas serão chamadas a se explicar ao órgão regulador do mercado de capitais. Nesse sentido, é necessário que acionistas, conselheiros e diretores executivos façam uma maior reflexão.

Um dos primeiros temas a ser questionado será a acumulação das funções de Presidente Executivo e Presidente do Conselho de Administração. De acordo com a última pesquisa do IBGC, 17,5% das empresas brasileiras listadas na Bolsa ainda mantêm essa prática.  Outro ponto de destaque é a orientação para que as empresas passem a ter seu capital social composto somente por ações ordinárias, recomendação já adotada pela BM&F Bovespa, e componham seu Conselho de Administração com no mínimo 1/3 de independentes, contra os atuais 22%, também segundo o estudo do IBGC realizado com 339 empresas.

Outra novidade é a adoção efetiva de uma avaliação anual da eficácia do desempenho do Conselho e de seus Comitês. Embora vários regimentos internos contemplem o mecanismo, nem sempre essa prática se confirma. A ausência da avaliação se reflete nos prazos de mandato estendidos e na prática da reeleição.

A pesquisa do IBGC revela ainda dois pontos que também serão tratados com maior rigor pelo novo Código da CVM. Menos de 1/3 das empresas pesquisadas (31,9%) mantêm Comitês de Auditoria e a questão da Ética é tratada com a devida ênfase em apenas 6,4% desses Comitês. Pelo novo Código, a existência de um Comitê de Auditoria, responsável pelos Controles Internos e Riscos, passa a ser obrigatória.

Bons novos ventos e melhor ainda: essas recomendações tendem a ultrapassar o limite das empresas listadas na Bolsa. Nesse sentido, é importante lembrar que, na falta de legislação ou códigos semelhantes para empresas de outra natureza societária, a Lei das S/A e suas atualizações, patrocinadas pela CVM, acabam se tornando uma referência tanto para empresas fechadas, quanto limitadas.

O papel de uma nova Governança nas organizações é fundamental. Acionistas, conselheiros e dirigentes devem adotar imediatamente novas práticas nas relações com o Estado e na adesão aos Códigos e Leis. A Governança deve ser a guardiã dos valores e princípios organizacionais e um exemplo. Códigos de Ética e Conduta devem ser revistos, incorporando esses novos parâmetros, e estendidos a toda a organização – de acionistas a conselheiros, de dirigentes a gestores, de funcionários a prestadores de serviços, de prepostos a representantes legais ou comerciais e de franqueadores a licenciados.

Esperamos que, a partir de agora, seja possível escrever uma nova história no mundo empresarial brasileiro, com capítulos mais limpos e cada vez mais educativos no campo da ética e das melhores práticas. Só assim evoluiremos, punindo sempre quem atentar contra a nova ordem que está sendo estabelecida.

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Gino Oyamada é sócio da 3G Governança, Gente e Gestão Consultoria. Cursou o PDC – Programa de Desenvolvimento de Conselheiros da Fundação Dom Cabral em 2015.

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